O governo interino de Michel Temer apresentou propostas
que podem provocar mudanças na vida dos brasileiros. Na Saúde, a proposta de
limitar gastos obrigatórios representa um impacto direto no SUS (Sistema Único
de Saúde). O ministro escolhido para a pasta, Ricardo Barros, não tem
experiência na área e, até agora, focou suas falas apenas em cortes e gestão do
dinheiro.
Da forma como a Constituição está hoje, o Governo Federal
tem que aplicar no mínimo 13,2% de sua receita líquida em Saúde. Com a PEC
(Proposta de Emenda Constitucional) sugerida pelo governo, a Saúde deixaria de
ter uma garantia de percentual de receita obrigatória. A União cumpriria um
valor mínimo --que ainda não foi especificado-- que seria corrigido anualmente
pela inflação.
Segundo Chioro, que chefiou a pasta entre 2014 e 2015, os
cortes girariam em torno de R$ 44 bilhões a R$ 65 bilhões a menos para o SUS a
partir do próximo ano. "[Assim], não é possível manter programas básicos,
como a atenção básica, vacinas, sangue, medicamentos, controle de doenças,
SAMU, Santas Casas, UTI", diz.
Para José Gomes Temporão, ministro da Saúde entre 2007 e
2010, não se trata apenas da morte do sistema, mas de colocar a população em
risco. "Com o corte de recursos o governo teria que dizer quantas pessoas
vão morrer. Não estamos falando de números e sim de vidas. Sem dinheiro, o
tempo para conseguir uma cirurgia, ou mesmo o tratamento para câncer vai
aumentar."
Além da PEC,
em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Barros afirmou que o país não
conseguirá mais sustentar os direitos que a Constituição garante,
como o acesso universal à saúde. Após repercussões negativas, tanto Barros quanto Temerdisseram
que a área não seria afetada neste momento.
Para a pesquisadora da Fiocruz, Isabela Soares Santos,
reduzir o investimento em saúde pode agravar os problemas financeiros do país.
"Sociedades que investem em saúde conseguem sair da crise melhor que as
que não investem. O principal foco neste momento deveria ser ir contra a PEC
porque isso vai deixar o ministério com menos recursos. Na crise, as pessoas
precisam ainda mais de saúde pública. Sem emprego, as pessoas não pagam
convênios. E sem saúde não trabalham para melhorar a economia", diz a pesquisadora.
Temporão diz que uma saída para ter mais dinheiro para a
Saúde sem aumento de impostos para toda a população seria sobretaxar produtos
que causam doenças como refrigerantes e cigarros.
Hoje são R$ 118 bilhões previstos no orçamento de
2016 para a Saúde, e, destes, R$ 5,5 bilhões estão contingenciados, ou
seja, não estão disponíveis. Com isso, programas como o Farmácia Popular, o
Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), e as UPAs (Unidades de Pronto
Atendimento) só têm recursos para funcionar até agosto. As UPAs são custeadas
com 50% de recursos do Governo Federal, 25% do Estado e os outros 25% de
responsabilidade das prefeituras, que administram as unidades. O
ministério diz que está decidindo junto com a equipe econômica como
recompor o orçamento.
Com a redução do orçamento, os especialistas afirmam que
o maior investimento deve ser direcionado ao Programa Saúde da Família. As
equipes do programa são responsáveis pelo atendimento primário, como exames e
consultas, além da troca de curativos e outros procedimentos simples, é
feito nas UBS (Unidades Básicas de Saúde) ou Postos de Saúde. Formadas por
médico, enfermeiro, auxiliares de enfermagem e agente de saúde, também são
responsáveis pelas campanhas de vacinação e pelo acompanhamento de doenças como
diabetes e hipertensão.
Segundo Srougi, o ideal é ter uma equipe para levar a
prevenção nos bairros para tratar as doenças mais simples. "O governo
anterior não se interessou por ele, o ideal é o que o novo focasse nisso.
Existem lugares muito carentes onde as pessoas não conseguem sair de onde
estão. Por que não parar de fingir que destina valores e ser honesto no
tratamento das famílias?", questiona.
Cotado para o Ministério da Saúde do governo interino de
Temer, Srougi diz que não aceitou o cargo por não se achar preparado. "O Ministério
da Saúde precisa ser gerido por um economista. Enquanto não houver uma gestão
competente, o ministério não vai andar para frente." No entanto, o médico
criticou a escolha de Ricardo Barros, por não ter experiência na área de saúde.
"Ele deu uma olhada no SUS, viu que o programa estava devastado e deu uma
opinião. O SUS é um tremendo sistema de Saúde", afirma.
Para se ter uma ideia, outros dois programas importantes
para a saúde do brasileiro também estão no SUS: o Mais Médicos e o combate à
zika e ao Aedes aegypti.
Mas as campanhas
de controle da dengue e de doenças transmissíveis estão sem liderança.
Segundo o ministério, os programas continuam em andamento com a equipe técnica.
O programa Mais
Médicos é motivo de discórdia desde sua implantação. São 64 milhões
de brasileiros atendidos por 11.429 estrangeiros, 1.537 profissionais formados
no exterior e 5.274 brasileiros. O novo governo já afirmou que quer dar mais
espaço para brasileiros no programa, o que já vinha sendo feito nas últimas
chamadas do governo Dilma Rousseff.
Para Srougi, melhorar as condições de atendimento nos
locais mais carentes, com enfermeiras e materiais são mais importantes do que o
programa de incentivo de envio médico. O governo diz que, em parceria com os
municípios, está garantindo recursos para auxílio na expansão e qualificação da
rede de saúde.
Já as epidemias ligadas ao mosquito devem ser parte das
prioridades dos investimentos do novo governo, dizem os
especialistas. Chioro afirma que é preciso organizar as ações dos
municípios, Estado e União para que elas sejam feitas de maneira integrada.
Outro problema apontado pelos especialistas é que o
ministério gasta muito dinheiro onde "não deveria". Em 2014, a Saúde
gastou quase R$ 1 bilhão no pagamento de medicamentos, tratamentos, cirurgias e
equipamentos garantidos judicialmente. Para obter um comparativo, os recursos
destinados ao edital para pesquisas que contribuam na prevenção, no diagnóstico
e no tratamento de infecções causadas pelo vírus da zika são de R$ 65 milhões
--equivalente a 6% do judicializado--, sendo que os valores são custeados com
uma divisão entre as pastas de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Ministério
da Educação.
Dos gastos com demandas judiciais, R$ 257,9 milhões foram
usados para a compra de apenas 11 tipos de remédios não registrados na Anvisa,
uma medida criticada pelos médicos. Segundo o professor de infectologia da USP
(Universidade de São Paulo) e coordenador de Controle de Doenças da Secretaria
de Saúde do Estado de São Paulo, Marcos Boulos, o judiciário precisa aceitar
assessoria especializada antes de tomar decisões relacionadas a Saúde.
"Não é incomum, indivíduos geralmente com condições
financeiras buscarem salvaguarda jurídica quando os medicamentos que desejam
não estão disponíveis. Isso é decidido pelo judiciário, sem avaliar se existe
um similar, se existe comprovação da eficácia, se o medicamento foi aprovado
etc. Quando o produto é caro, os recursos são desviados de outros programas
onerando ainda mais a sociedade", diz.
Isso porque essas ações usam o direito universal proposto
na Constituição para conseguir tais remédios ou tratamentos caros, mas acabam
por "retirar" o direito, pela falta de verba, de outros,
principalmente da população carente, que recorrem ao SUS para o tratamento
básico de saúde.
Os planos de Saúde também oneram o sistema: o SUS pede mais de R$ 4,2 bilhões de ressarcimento porque há uma lei que garante que atendimentos feitos a usuários de planos de saúde em hospitais públicos ou privados devem ser pagos pelas operadoras contratadas, desde que o serviço esteja previsto no contrato do beneficiário. Além disso, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada mostra que 30,5% dos gastos na área de saúde representam renúncia de arrecadação de impostos, de empresas ou as deduções feitas no imposto de renda de pessoa física.